Transcrição de entrevista de Pedro Ferraz da Costa, no Expresso, recebido por e-mail.
Este documento convém ser comparado com as palavras de Medina Carreira .
"Portugal não tem dimensão para se roubar tanto"
O alerta de Pedro Ferraz da Costa, presidente do Fórum para a CompetitividadeExpresso. 090815.
Por Ana Sofia Santos e Pedro Lima
Ferraz da Costa traça um cenário aterrador da economia portuguesa e não poupa ninguém - não lamenta a saída do ex-ministro Manuel Pinho, em relação ao qual diz que "toda a gente sabe que ele é maluco". O ex-presidente da CIP-Confederação da Indústria Portuguesa, onde esteve até 2001, diz que é urgente mudar a justiça e a fiscalidade.
Como está Portugal em termos de competitividade?
Temos um problema de desequilíbrio externo que tem vindo a agravar-se. A entrada do Leste na União Europeia tornou-nos muito menos atractivos para o investimento directo. Nos últimos anos perdemos quota de mercado em diversos países e sectores.Quando começaram os nossos erros?Estamos a errar desde que integrámos a União Europeia. Nos primeiros anos, apesar de algum esforço do sector exportador, apostou-se na política das infra-estruturas, no crescimento da procura interna e na deslocação de imensa iniciativa empresarial do sector produtivo para os serviços e para o sector financeiro. Errámos ao investir primeiro nas infra-estruturas e só depois no capital humano.
Mudou alguma coisa nos últimos quatro anos?
Em termos de política económica foi uma legislatura catastrófica. O Governo só governou por ausência de oposição. Arrancou com uns slogans pró-tecnologia cujo apogeu foi a Qimonda, o que demonstra que tudo isso tinha pouca ou nenhuma substância.
Os nossos governantes são maus?
Temos uma classe política e nalguns casos até governantes, onde se inclui o ex-ministro da Economia (Manuel Pinho), que não têm conhecimento da realidade. Qualquer pessoa com experiência em negócios internacionais percebe que fazer uma oficina com um único fornecedor e um único cliente não podia dar resultado. Ao ministro da Agricultura (Jaime Silva) tenho-o ouvido dizer coisas espantosas como, por exemplo, que a crise ainda não tinha chegado ao sector. Ele não servia nem para director-geral...
Não lamenta o episódio que levou à demissão de Manuel Pinho.
Ninguém teve pena. Toda a gente sabe que ele é maluco. O papel do ministro da Economia é "safar postos de trabalho", como ele disse?
Porque é que Manuel Pinho se manteve tanto tempo no Governo?
Porque o primeiro-ministro deve ter metido na cabeça que não fazer remodelações iria ser uma das marcas do seu consulado. Achou que isso teria mais impacto mediático do que a adopção de políticas concretas. Não tenho dúvidas de que o ministro das Obras Públicas beneficia desse escudo protector.
Mário Lino já não devia governar?
Há aqui uma dúvida mais grave que é saber se parte dos disparates e das contradições são mesmo dos próprios ou se são do primeiro-ministro e eles foram obrigados a engolir.
Será dramático se não sair uma maioria absoluta das eleições de Setembro?
O que acho dramático é que nos contactos com os partidos percebi que ninguém está preparado para ter um Governo que vá tomar grandes decisões.
Admitiria integrar um Governo?
Não fecho a porta, mas é muito difícil porque temos uma democracia que reserva a quase totalidade da acção aos partidos políticos. Não tenho uma vontade de protagonismo assim tão grande que me obrigasse a dizer coisas com as quais não concordo.
Como encara a intervenção do Estado em empresas privadas?
Nos casos de salvamento de empresas tem que haver compromissos. Lá fora opta-se pela redução do capital dos accionistas e das condições dos trabalhadores, assumindo comportamentos diferentes. Por cá, a noção de salvamento é "lá vem o Estado gastar dinheiro dos contribuintes para que todos continuem a fazer as mesmas coisas".Sem a crise, acabaríamos estes quatro anos melhor do que estávamos? Estamos com um desequilíbrio externo cada vez mais preocupante. E temos um problema de finanças públicas gravíssimo. Não se interiorizou, quando entrámos na União Europeia, que era fundamental ter uma política orçamental responsável. Acho extraordinário que o Bloco de Esquerda seja o único partido que fala na urgência da contenção da despesa pública.É preciso passarmos por um susto como o da Islândia, que foi à falência? Acontecer-nos uma hecatombe seria o cenário mais rosado. O pior é o empobrecimento lento e que nunca mais pára. Estamos em queda continuada e pelo caminho vão aparecer alguns governos assistencialistas que vão dando uns apoios aos velhinhos.
O Presidente da República, Cavaco Silva, devia estar mais activo?
Assumiu uma posição asséptica em relação às eleições, de distanciamento como é seu costume. Mas alguém devia chamar a atenção dos partidos de que há decisões muito complicadas a tomar e que deviam ser discutidas em campanha eleitoral se se quer ter legitimidade para governar.
O que pensa do TGV (comboio de alta velocidade) e do novo aeroporto?
Ninguém pode ser a favor do TGV, cujo único objectivo deve ser ir a Madrid ver o Ronaldo... Há anos que se tenta destruir a viabilidade do aeroporto da Portela. Não se avaliam os investimentos que são feitos, quanto se gasta. Rouba-se muito. O país não tem dimensão para se roubar tanto.
Quem é que rouba?
Todos os que podem. O problema é o estado da justiça que cria um sentimento de impunidade.
É o principal entrave à entrada de investimento directo estrangeiro?
É um deles. A primeira medida do próximo Governo deveria ser actuar nesta área e introduzir previsibilidade. Por exemplo, ninguém consegue cobrar nada de quem não quer pagar e isso é dramático, sobretudo, para as pequenas e médias empresas. Depois temos um sistema fiscal menos atraente do que o espanhol e o Governo reconhece isso implicitamente quando cria os Projectos de Interesse Nacional (PIN), que são um regime de excepção.
Texto publicado na edição do Expresso de 15 de Agosto de 2009
Thursday, September 03, 2009
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