( artigo de J. M. Fernandes- Público )
«Entendem [a velha esquerda jacobina representada, na AR, por emproados alarves como Assis, o sr. Sousa Pinto, o gamador de gravadores e a D. de Medeiros], por exemplo, que a defesa dos princípios da solidariedade social - praticada pelo Estado, está bem de ver - os isenta de penas de consciência ou de obrigações de fraternidade pessoal. E depreciam a virtude da caridade, enquanto comemoram a engenharia social dos "avanços civilizacionais" à mesa da Bica do Sapato, nem sequer se lembrando que lhes competia governar para todos. Acreditam ser mais inteligentes, mais cultos e mais "abertos" do que os outros, e por isso devedores de apreço e consideração. Se não praticam a probidade, bem pelo contrário, acham que o seu "desinteresse" de princípio os autoriza a reivindicarem regalias extra. E se lhes sai, por engano, uma Carolina Patrocínio a quem as empregadas tiram os caroços às cerejas, assobiam para o lado: afinal, ela é "de esquerda", e aos "de esquerda" perdoa-se tudo. Não surpreende por isso que, nos gabinetes ministeriais, sobrem os meios e se multipliquem os lugares. Não surpreende que, em ano de crise, esses gabinetes consumam mais dinheiro e que o maior aumento percentual nos seus gastos tenha sido nas rubricas de suplementos e prémios e nas despesas de representação. Como da mesma forma não surpreende que José Sócrates tenha embaraçado a nossa representação no Rio de Janeiro ao preferir ir jantar a um restaurante italiano da moda, deixando de fora dezenas de convidados da área da cultura (para "cultura" bastou-lhe a visita a Chico Buarque, mais uma vez pretextos para mentiras desavergonhadas). Como não surpreende que tenha ao serviço do seu gabinete nada menos de 12 motoristas... Desenganem-se também os que julgam que este vírus apenas ataca o socratismo mais empedernido. Ele é contagioso e o primeiro-ministro já tratou de o impor mesmo ao Bloco e ao PCP. Só se assim se compreende, por exemplo, que tenhamos assistido estupefactos à forma como estes dois partidos da velhíssima esquerda radical vieram a terreiro defender a imediata construção do TGV, uma obra que beneficia muito pouco os trabalhadores que dizem defender e muitíssimo empresas como a inevitável Mota-Engil. Aqui o que venceu foi o preconceito ideológico, mostrando como até o PCP está hoje desligado do sentimento dos mais aflitos - um preconceito com que José Sócrates jogou de forma habilidosa, ao virar-se para Louçã e Jerónimo, no Parlamento, e dizer-lhes para se lembrarem da ideologia. Faltou explicar que ideologia, mas nos tempos que correm até o keynesianismo de pacotilha do ministro das Obras Públicas já encaixa no marxismo-leninismo-trostkismo do Bloco e do PCP. Aparentemente basta que seja o Estado a meter a mão e se crie a ilusão de que os políticos é que estão ao comando e que os "especuladores" estão ao largo.»
José Manuel Fernandes, Público
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