"Há trinta e seis anos que o Ministério da Educação não pára de produzir legislação. Todos os Ministros tentam introduzir as suas mudanças sem consultar, na maior parte dos casos, os professores, cortando por completo tantos projectos, tantas iniciativas que estavam a ser consolidadas e a dar os seus frutos. Isto tem resultado numa degradação constante do sistema de ensino em Portugal.
Quando iniciei as minhas funções docentes, tudo o que fosse do 24 de Abril de 1974 era reaccionário e, por isso, tinha que ser radicalmente banido. Os alunos não podiam estar sujeitos aos ditados, às cópias, decorar a tabuada e os verbos, porque era antipedagógico aprender a escrever e a falar correctamente, a fazer contas, cálculos matemáticos, etc, usando esses métodos que, durante tantos anos, contribuíram para formar cidadãos que ainda hoje dão graças por tudo o que aprenderam. Toda a gente se lembra da grande qualidade do ensino ministrado nas antigas Escolas Comerciais e Industriais que lançaram para a vida tantos cidadãos bem formados, contribuindo, ao longo dos tempos, para o prestígio e enriquecimento do país. Por que razão não se retira apenas o que necessita de ser aperfeiçoado em vez de cortar por completo aquilo que estava a ser desenvolvido com tanto sucesso? A ideologia política e as birras pessoais não podem ser o motivo para tanta mudança num ministério que superintende na educação daqueles que vão ser os principais obreiros de um país. Sou apologista da mudança, do aperfeiçoamento, mas não é por causa de mudar um regime ou apenas um Ministro que se vai menosprezar todo o trabalho precedente sem termos em conta os seus resultados.
A qualidade do sistema de ensino em Portugal tem vindo a declinar e a degradar-se a uma velocidade vertiginosa com principal incidência nestes últimos anos. Como é possível passar-se de uma escola exigente, disciplinada, formadora para uma situação em que esses atributos estão a desaparecer por completo? Quem são os seus principais causadores? Quais serão os benefícios de uma classe docente completamente desacreditada e imobilizada? Tolera-se haver situações em que os docentes se sentem amedrontados e desautorizados? Tolera-se culpabilizar o professor por não conseguir encontrar as soluções para resolver as dificuldades de alunos indisciplinados e mal-educados? Quem foram esses iluminados (por exemplo: “é indispensável explicitar/negociar os critérios de avaliação com os alunos para que estes possam contribuir para a aprendizagem”- coitadinhos!) que inventaram tantas correntes pedagógicas que, ao longo destas últimas décadas, só vieram arruinar o nosso sistema de ensino? Para reprovar um aluno, seja em que caso for, será preciso o encarregado de educação assinar? Afinal o aluno onde e a quem presta as provas? Será preciso negociar tudo e mais alguma coisa com os alunos? Será antipedagógico o professor impor a autoridade na sala de aula, ter o seu estatuto próprio, realçando o seu papel de educador? Meus caros leitores, enquanto o nosso ministério andar aos ziguezagues, sem encontrar um rumo certo e não restituir o ânimo, a confiança e a autoridade perdida aos professores, não chegamos a lado algum. Façamos uma retrospectiva aos resultados da formação integral ministrada nas escolas em períodos mais afastados e aos verificados nos últimos tempos! Vejamos a diferença entre as escolas públicas e as privadas. As conclusões são óbvias.
O Decreto-Lei nº 75/2008 de 22 de Abril veio regulamentar o regime de autonomia, administração das escolas, visando reforçar a participação das famílias e das comunidades, favorecendo “a constituição de lideranças fortes” e o reforço da autonomia das escolas, criando o cargo de director que teve como principal objectivo “reforçar a liderança nas escolas, uma das medidas mais relevantes na reorganização do regime de administração escolar… o reforço da liderança das escolas pressupõe que em cada estabelecimento de ensino exista um rosto, um primeiro responsável, dotado da autoridade necessária para desenvolver o projecto educativo da escola e executar localmente as medidas de política educativa.” Os mega-agrupamentos são um grande exemplo dos ziguezagues deste governo que não sabe onde quer chegar, vindo contrariar, num curto espaço de tempo, a tal liderança forte referida no citado decreto. Para isso, deixava vigorar, com alguns acertos, o Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio que era bastante equilibrado. Que lógica é essa, no prazo de dois anos e uns meses, avançar, sem grandes critérios, para um novo processo de transição dos órgãos directivos em alguns agrupamentos? É assim que se reforça a liderança nas escolas e se fomenta a autonomia? Como se pode trabalhar numa escola quando não há uma definição clara do que se pretende? Isso fomenta uma despersonalização na relação entre os vários intervenientes dos inúmeros estabelecimentos de ensino, que se pretendem agrupar, com os milhares de alunos tão dispersos geograficamente, sobretudo em algumas zonas do país.
O Director da Associação de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas, Adalmiro da Fonseca, diz que o governo “andou depressa demais, andou sozinho…vamos fazer um protesto pela maneira como os directores foram tratados, foram contactados pelo telefone a dizer que tinham de sair e deixavam de ser directores…sentimo-nos desrespeitados.” Estou completamente de acordo com estas afirmações, pois são medidas apenas economicistas, só foi pena alguns directores das escolas e agrupamentos deste país, nas lutas travadas nos últimos tempos, não terem apoiado mais os seus colegas que sempre lutaram por causas justas, inclusivamente com a divisão da carreira (Decreto-Lei nº 15/2007 de 19 de Janeiro) e outras trapalhadas (que foram tantas!) que eu sempre denunciei neste jornal."
* Ex-professor da Escola Monsenhor Elísio de Araújo - Pico de Regalados
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