Onde estão as elites?
De: José António Saraiva
No tempo de Salazar não havia universidades privadas. Ou melhor: havia a Católica, fundada em 1968, mas essa tinha um estatuto especial. Depois do 25 de Abril, uma das reivindicações dos liberais foi, naturalmente, a criação de universidades fora da tutela do Estado.E a explosão da população universitária (provocada, também, pelo fim dos cursos profissionalizantes, uma das decisões mais erradas tomadas em Portugal) fez o resto. As universidades privadas multiplicaram-se como coelhos: Lusíada, Independente, Lusófona, Internacional, Atlântica, Moderna... Uns anos depois os escândalos também se multiplicariam em cadeia: a Moderna foi o que se sabe e fechou, a Independente foi o que também se sabe e fechou igualmente, a Internacional idem.Mas o problema principal não foi o encerramento das universidades, que mais tarde ou mais cedo teria de ocorrer face à queda do número de alunos. O problema principal foi o facto de ter ficado claríssimo que muitas universidades tinham como único objectivo o negócio – e, ainda por cima, o negócio fraudulento. O país constatou que em algumas universidades funcionavam verdadeiros gangues, gente sem escrúpulos organizada em termos de associação criminosa. Foi isto o que se passou na área do ensino superior privado.Na banca a história foi mais ou menos semelhante. É certo que antes do 25 de Abril não havia restrições tão estreitas como nas universidades. No tempo do anterior regime podiam fundar-se bancos privados – embora sob a vigilância próxima do Estado (e o olhar atento de Salazar). Mesmo assim houve ‘casos’ nesta área, como o da herança Sommer e os conflitos com Cupertino de Miranda. Mas, passado o período revolucionário, a banca portuguesa adquiriu um novo fôlego, traduzido nas reprivatizações dos bancos que tinham sido nacionalizados (como o BPA, o Totta ou o Espírito Santo) e na fundação de bancos novos (como o BCP e o BPI, a que se seguiram muitos outros), não esquecendo as aquisições e fusões em série.Tudo parecia correr bem nesta área quando, de repente, estalou o escândalo do BCP. Um escândalo de contornos mal definidos, que essencialmente resultou de uma zanga entre grandes accionistas, destapando situações que noutras circunstâncias não teriam provavelmente consequências.Só que ao escândalo do BCP seguiu-se o do BPN e a este o do BPP. E, aqui, toda a área ficou sob suspeita. Tal como sucedeu nas universidades – em que, depois de conhecidas as fraudes, só as públicas e a Católica não passaram a ser olhadas com desconfiança –, na banca portuguesa só a Caixa Geral de Depósitos não foi afectada pela hecatombe.Olhemos agora para o futebol. O futebol sempre foi uma área difusa, dominada por interesses privados, mas que o anterior regime acompanhava de perto. O Benfica tinha o claro apoio do Estado (Salazar não deixou Eusébio emigrar), o Sporting integrava figuras gradas do regime, até o Belenenses beneficiava de ter Américo Thomaz como adepto e presidente honorário. Mas o 25 de Abril também provocou aqui uma pequena revolução, ‘completada’ mais tarde por Pinto da Costa – que transferiu o centro de gravidade clubístico de Lisboa para o Porto. Ora, tal como sucedeu nas duas áreas anteriores, depois de o futebol ter sido entregue a si próprio não tardou muito a que começasse a falar-se de escândalos. O mais célebre foi o Apito Dourado, mas muitos outros ocorreram envolvendo árbitros, dirigentes e presidentes de Câmara: José Guímaro, Pimenta Machado, Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras, José Eduardo Simões, etc., etc.Em três sectores que fugiram ao controlo ou à tutela do Estado, e onde a sociedade civil passou a operar livremente, o resultado está a vista: deu-se o descalabro. Houve de tudo: corrupção, fraudes financeiras, gestão ruinosa, associações criminosas, fugas ao fisco, eu sei lá!Ora isto diz muito sobre as nossas elites. Em duas áreas de referência da sociedade – a universidade e a banca – e naquela que provoca mais paixões e arrasta multidões – o futebol –, os dirigentes falharam rotundamente. E é este o aspecto mais preocupante da sociedade portuguesa.Todos os países podem ter melhores ou piores Governos. Mas os países só podem verdadeiramente andar para a frente se tiverem boas elites. Se, nos sectores vitais da sociedade, houver gente capaz, séria, competente e empreendedora.Ora. em várias áreas-chave temos tido demasiada gente que não presta. Gente que não hesita em recorrer à fraude, à corrupção, à usura para alcançar os objectivos.Se os portugueses funcionam bem quando estão lá fora, por que não renderão o mesmo aqui? Exactamente porque não existem elites capazes de estimular e enquadrar os cidadãos, aproveitando ao máximo as potencialidades do país.
José António Saraiva
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