I
II.
Atribuir responsabilidades à esquerda tontinha é assim perfeitamente justificado, mas incide apenas sobre uma das faces da moeda. Igual responsabilidade tem uma certa direita que mergulha as suas raízes no ancestral anti-intelectualismo português e hoje vê na educação e no ensino um mero instrumento de formação profissional. Perante uma qualquer área do conhecimento a pergunta quase instintiva desta direita é "para que serve"; e não lhe ocorre que a cultura, o conhecimento, o pensamento crítico podem ser fins em si mesmos; nem que, a servirem para alguma finalidade, esta finalidade pode ser não só a economia e o trabalho, mas qualquer outra dimensão da vida. Esta direita vê na escola uma fábrica em que entram crianças e de onde saem recursos humanos - como se fosse possível prever, à data em que uma criança de seis anos entra para a escola, as competências profissionais específicas de que vai precisar passados quinze ou vinte anos. A décadas de distância, a capacidade de compor um soneto ou de ler a Ilíada no original pode ter consequências económicas mais vastas e mais ramificadas do que o domínio duma qualquer técnica profissional de banda estreita que por essa altura já estará mais do que desactualizada.A esquerda tontinha e a direita de vistas curtas e excessivamente pragmática que determinam as políticas educativas têm em comum o horror ao passado, que consideram inútil e irrelevante. Só lhes interessa o futuro, que uns e outros têm a ilusão de conhecer e do qual se consideram donos. Nem uns nem outros compreendem a absoluta impossibilidade de ensinar a uma criança o mundo em que ela há-de viver: o mais que podemos fazer, se formos realistas, dedicados e competentes, é ensinar-lhe o mundo tal como é hoje e tal como o passado o moldou. A mudança do presente para o futuro não pode ser ensinada: o que nos prepara para ela é o conhecimento crítico das mudanças que deram origem ao presente. Tão utópica é a esquerda tontinha como a direita pragmática. Uma situa-se para lá do humano, no reino da perfeição; outra para cá do humano, no reino da técnica; e deste modo ambas recusam uma educação centrada no homem e à medida do homem como a que preconizava Wilhelm von Humboldt.A coligação esquizofrénica entre a esquerda tontinha e a direita cegueta é desconfortável para ambas as partes, mas não deixa por isso de ser uma coligação que bem ou mal vai funcionando. Opera na tecno-burocracia educativa, opera nas escolas, opera nos currículos e nos programas. Opera na profusão legislativa, onde os preâmbulos tendem a ser de esquerda e os articulados a ser de direita; e não sei se não operará também na idiossincrasia da actual ministra da educação. A metáfora de Dr. Jekyll e Mr. Hyde só não se aplica aqui porque, enquanto a personagem do romance tinha um lado nobre, as personalidades desavindas da ministra são ambas perniciosas e vis.
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