Que geração será a das crianças que vão passar doze horas na escola?
Adolescentes como os do filme Paranoid Park, quase delinquentes. Ou como os outros, sem mais dramas. Mas o tempo a mais na escola deve ser para brincar.
Diz o psiquiatra Daniel Sampaio: "O que é preciso é modificar os horários dos pais e não aumentar o tempo de permanência das crianças na escola. Se persistirmos neste modelo, estaremos a criar uma geração de adolescentes como a do Paranoid Park, do Gus Van Sant", ou seja, jovens a arriscar a fronteira da delinquência.
Desdramatiza o neuropediatra Nuno Lobo Antunes: "Não antecipo na-da esse cenário. Não creio que a permanência das crianças na escola durante mais tempo vá provocar uma hecatombe ou deitar a perder uma geração. Não sendo a situação ideal, não me parece que as crianças fiquem mal empregues". A possibilidade de as escolas do 1.º ciclo do ensino básico funcionarem 12 horas por dia, entre as sete da manhã e as sete da tarde, posta esta semana em cima da mesa pela Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), está longe de gerar consensos. A filosofia é adequar o horário das escolas públicas às jornadas de trabalho dos pais, libertando-os da necessidade de recorrer aos ATL (Actividades de Tempos Livres) que, ainda por cima, saem muito caros. De caminho, procura-se pôr a escola pública a funcionar numa lógica de centro escolar, capaz de oferecer terreno seguro para a brincadeira e para aprendizagens alternativas. O Ministério da Educação garante que nada está decidido. "As actividades de enriquecimento extracurricular têm uma comissão de acompanhamento que analisará todas as eventuais propostas que surgirem nesse sentido. Só depois o ministério poderá avaliar e decidir", lê-se na resposta às perguntas colocadas pelo PÚBLICO. E dali não se arranca nem mais uma vírgula. Mas o presidente da Confap, Albino Almeida, garante que o processo está a ser negociado há um ano e está em fase avançada. Para Daniel Sampaio, porém, a equação está posta ao contrário. "A escola não é feita para substituir a família", sustenta. Se persistirmos neste modelo, ou seja, na legitimação da ideia de que os pais não têm tempo para cuidar dos filhos, "estaremos a contribuir para que as crianças se transformem em adolescentes sem regras". Como os do filme de Gus Van Sant. "Não é um bom caminho", insiste, preconizando que os pais - "pelo menos um deles" - tem de poder chegar a casa mais cedo para estar com os filhos, "pelo menos até que estes tenham 15 anos".
Uma nova organização social é o que reivindica também a Federação Nacional dos Professores (Fenprof). "Pobres pais e pobre sociedade em que se propõe que as crianças possam ficar doze horas enfiadas numa escola", reage Francisco Almeida, daquele sindicato, para quem o novo Código de Trabalho vem desregular ainda mais o já desregulado mundo laboral na relação que este tem que ter com a família."As bolsas de horas vão permitir que as pessoas possam fazer jornadas de trabalho intensivas durante um período e que compensem depois, o que traz óbvias dificuldades de conciliação do trabalho com a família", acrescentou, pondo-se a fazer contas:"Se uma criança fica doze horas na escola, dorme oito e gasta uma hora ou hora e meia nos transportes não tem tempo nenhum para estar com os pais: se assim for, haverá miúdos que não chegam a deitar-se no colo do pai".
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