Retirado do blog " a educação do meu umbigo " de Paulo Guinote
Texto do Gabriel Mithá Ribeiro enviado para o Público e não publicado, que ele teve a simpatia de enviar ( A Paulo Guinote )
Estive hoje (24.01.2008) numa reunião de departamento para que os professores elaborassem instrumentos burocráticos para fazer avançar rapidamente o processo em curso sobre a sua própria avaliação de acordo com o novo Estatuto da Carreira Docente. Está-se a avançar à pressa para transformações profundas no papel da escola (para muito pior) apenas para dar resposta às urgências da agenda eleitoral do Partido Socialista, via Ministério da Educação, que é óbvio que pretende «despachar» o que pensa que fará render votos nas eleições de 2009. Para que o senso comum perceba o essencial, sistematizo:
(i) pelas linhas de orientação impostas para uma «nova» cultura profissional do corpo docente, está em curso um processo rápido de estupidificação social por via do ensino;
(ii) fica-se com a impressão de a prazo cada escola se transformar, nas suas hierarquias e burocracias, numa espécie de pequeno ministério da educação, isto é, um dos maiores cancros do sistema educativo avança com aparente impunidade para a criação de mil e um clones;
(iii) a burocracia, um seriíssimo problema estrutural do ensino, está a ser elevada aos extremos do absurdo;
(iv) a dimensão cultural e intelectual da docência, já de si deficiente, está a ser cilindrada em favor da dimensão burocrática e administrativa por responsabilidade directa de quem gere politicamente a educação;
(v) a pressão pela valorização do conhecimento, a única que poderia reconverter o papel medíocre da escola, está a ser suplantada pela pressão social da «comunidade envolvente», isto é, o descaramento legislativo está a apagar o princípio de se conceber a escola, em primeiro lugar, enquanto espaço específico do conhecimento, deriva ideológica que agravará a mediocridade intelectual em que as escolas vivem;
(vi) um ensino que já tinha as escolas, de algum modo, dominadas por caciques, escancara agora as portas ao caciquismo mais rasteiro a pretexto da aproximação às comunidades, a pretexto da «melhoria» da gestão e a pretexto de uma nova forma de avaliação dos professores;(vii) escudados por essas pretensas inovações, os «iluminados» atacam a sala de aula enquanto espaço de intimidade intelectual entre professor e alunos, tentando transformá-la num «território» vigiado, inventando-se para isso umas aulas assistidas ao longo de toda a carreira docente por uns «controleiros» que, de maneira directa ou indirecta, mesmo que não o queiram individualmente, a pressão do sistema fará deles agentes do reforço do controlo ideológico das «ciências da educação» (ou de outro «lobby» que existirá no futuro) sobre a prática docente, atentando contra o essencial da noção de liberdade que morre se não for construída a partir do ensino.Professores que tomem isso como normal, tanto do ensino básico e secundário quanto do ensino superior, era bom que tivessem um pouco de vergonha na cara. Não sei o que vai na alma do «actual» Partido Socialista, mas sei que a liberdade, naquilo que há nela de mais íntimo e essencial, está a ser cerceada, num processo que chegou à sala de aula. Resvalamos para domínios altamente preocupantes. E quem duvida disso era bom que estivesse nas escolas básicas e secundárias dos dias de hoje. Perceberia por evidência empírica o que pode ter sido, há pouco menos de um século, o resvalar para o totalitarismo. Felizmente ainda estamos no início. Mas só travaremos o «monstro» se o enfrentarmos na sua vontade férrea de imposição de um suposto «bem comum» que só «eles» (os que mandam) parecem ver. Os professores não são massa estúpida, gananciosa e interesseira, como o populismo alimentado pelo actual governo faz crer. Fazem parte do grupo socioprofissional mais vasto, qualificado e diversificado da nossa sociedade. E se nele não existe massa crítica, ela não existirá em mais lado nenhum. Só uma grande dose de ingenuidade fará acreditar na «bondade» e nas «boas intenções» do actual Ministério da Educação. Recordo que o Ensino é da Sociedade, não é do Estado e muito menos do «actual» Partido Socialista. Não é preciso ser-se de esquerda ou de direita para se perceber o que está em causa. Inacreditável é que aquilo que hoje e à pressa está a ser imposto às escolas vai sendo conseguido sem um contraditório consistente, quase sem escrutínio, num país que se diz democrático. António Sérgio falava n’«o reino cadaveroso ou o reino da estupidez». O que diria António Sérgio se assistisse ao que está a ser feito hoje ao ensino e, por via dele, a prazo, à sociedade?
Com os melhores cumprimentos,
Gabriel Mithá Ribeiro
Tuesday, February 05, 2008
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