A ortografia não é mera convenção, mas o corpo da língua na sua expressão escrita. O debate sobre o acordo irrompe numa época de crise, consoante nota uma petição on line posta a circular por um grupo de personalidades, em que o uso oral e escrito do português se degradou profundamente, ferindo a nossa identidade multissecular e o riquíssimo legado civilizacional e histórico que recebemos e nos cumpre transmitir aos vindouros. O acordo é mau, não resolve os problemas existentes e traz ao palco outros que ainda não conhecíamos. Se o português é falado em paragens tão longínquas, contrário às regras seria que não tivesse diversas variantes. Há casos em que a diversidade de pronúncia geralmente seguida no Brasil ou em Portugal determina ou admite um registo ortográfico distinto. Marquem-se, portanto, as preferências de cada um dos falares, mas não se adopte nunca o processo de impor ou ceder grafias, por mero intuito de solucionar enganosamente problemas advindos de diferenças inevitáveis.
1. A língua não é assunto para legisladores. Um idioma não se impõe por decreto. Infelizmente, andamos nisto há cem anos. Fernando Pessoa, por exemplo, marimbou-se de alto para a reforma ortográfica de 1911 e continuou a grafar como havia aprendido. Sobre a reforma republicana, escreveu: «Além do impatriotismo, foi o acto imoral e impolítico».O Inglês é a língua franca do mundo inteiro, mas nenhum Parlamento pretendeu até hoje "unir" e "harmonizar" as ortografias do Reino Unido e dos Estados Unidos, que são diferentes.
2. O acordo é uma reforma falha de bom senso, com inúmeros erros, imprecisões e ambiguidades.
3. Em lugar de garantir a "unidade" linguística, o acordo admite grafias facultativas.
4. O acordo, ao eliminar consoantes chamadas mudas, tende a acelerar o processo de consonantização da nossa fala. Já haviam sido eliminadas em 1945 as letras consonânticas "c" e "p" das sequências interiores "cc", "cç" e "pt", nos casos em que são invariavelmente mudas nas pronúncias portuguesa e brasileira. Mas algumas consoantes tidas por mudas neste acordo, na verdade não o são, visto que se lêem ou têm valor etimológico indispensável à boa compreensão das palavras.
5. A diferença entre o português de Portugal e o do Brasil é menos ortográfica do que lexical. Para além das naturais variações de pronúncia, prosódia e morfossintaxe. Há autocarro, em Portugal, e ônibus, no Brasil; comboio e trem; eléctrico e bonde; boleia e carona; talho e açougue; pequeno-almoço e café da manhã; casa de banho e banheiro; relvado e gramado; guarda-redes e goleiro; matraquilhos e pimbolim; telemóvel e celular; e um larguíssimo etc.
6. O acordo provocará a inutilização de milhões de livros das bibliotecas, e obrigará as famílias a suportar custos elevados em novos dicionários e livros escolares.
Bruno Oliveira Santos Presidente da Mesa da Convenção
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