( texto de Desidério Murcho publicado no Publico de 3ª feira e no blog " De rerum natura ")
A indisciplina é um dos problemas com que se debatem alguns professores do ensino secundário. Contudo, nem sempre se compreende que um dos factores que explicam alguns casos de indisciplina é a desvalorização da escola. É interessante comparar o comportamento de um mesmo estudante na escola e num clube de futebol, por exemplo. O mesmo estudante que na escola é mal-educado, falsamente rebelde e uma dor de cabeça para os professores, é um aprendiz normal no clube de futebol, dedicando-se com afinco a aprender o seu desporto favorito. E no clube de futebol as regras de comportamento podem até ser mais rígidas do que na escola.
A diferença é que o valor do futebol é para esse estudante óbvio, ao passo que vê a escola como uma imposição sem sentido. A menos que a escola seja valorizada no seu meio familiar, o estudante vê as aulas e o estudo como uma tolice que tem burocraticamente de cumprir antes de ir à vida que a morte é certa.
Ora, nada tem sido feito por parte dos responsáveis educativos para tornar óbvio o valor do estudo, dos livros e da escola a quem não aprende em casa a valorizar essas coisas. Pelo contrário: ao obrigar cada vez mais os professores a fazer as vezes de dinamizadores culturais, para não dizer palhaços, retirando da escola a sua dignidade própria e tentando transformá-la em entretenimento mentecapto, os responsáveis educativos pioraram a situação. Pois quando se encara a escola desta maneira é porque se pensa que a física, a matemática, a geografia, a história, a literatura ou a filosofia não são realmente interessantes.
O oposto desta atitude é a conversa dos senhores de olhar severo que usam palavras caras na televisão para repetir sem quaisquer argumentos que essas são as coisas mais importantes do mundo, para toda a gente. Acontece que isto é uma mentira. A maior parte da humanidade nunca teve o mínimo interesse em física, matemática, história ou filosofia, e vive bem assim. Tal como a maior parte da humanidade nunca teve o mínimo interesse em saber fazer pão, saber fazer electricidade ou saber curar uma perna partida. Pessoas diferentes interessam-se por coisas diferentes.
Para a escola ser respeitada por estudantes e pais não precisamos de pregar a mentira evidente de que a matemática ou a história interessam a toda a humanidade. Tal como o estudante que aprende futebol não pensa com certeza que aquilo é a coisa mais importante do mundo; basta-lhe que seja interessante para ele, e que sinta ter talento para isso. Esta é a atitude que temos de ter na escola. A filosofia, a música erudita ou a matemática não são as coisas mais importantes do mundo. São apenas importantes para algumas pessoas. Mas para sabermos se somos uma dessas pessoas, temos de passar pela escola e estudar essas coisas da melhor maneira possível. Se não o fizermos, não saberemos se realmente nos interessa ou não. O papel da escola universal é dar a todos os estudantes esta oportunidade única, sobretudo aos que não a têm em casa.
Friday, December 26, 2008
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
1 comment:
É interessante este texto. Não concordo totalmente com a análise sobre a importância relativa das coisas. Eu tenho por bom o modelo renascentista em que cada homem deveria saber um mínimo de tudo e eventualmente ser especialista em alguma coisa. Sei que isto vai a contra-corrente de uma sociedade que se quer mais especializada, mas não será precisamente aí que começam os nossos problemas? Uma parte da matemática, uma parte da história, uma parte da música, interessam em minha opinião deveras a toda a humanidade. Enfim desculpe a discordância parcial. Gostei do texto.
Post a Comment